Área de plantio de arroz e feijão encolheu mais de 30% em 16 anos, com o avanço da soja e do milho
A área de plantio da tradicional dupla do prato feito brasileiro, arroz e feijão, teve uma forte redução em relação a 2006, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passou a divulgar o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA).
Boa parte dessa área foi direcionada para as culturas de soja e milho, que, por sua vez, vêm batendo recordes de produção.
Os dois grãos (soja e milho) são commodities, ou seja, matérias-primas para a indústria, que são negociadas em bolsas de valores internacionais e exportadas como ração para animais de criação, como bois e porcos.
A principal compradora de grãos é a China, um dos países que ajudou a impulsionar o crescimento populacional do mundo, que chegou a bater a marca de 8 bilhões de pessoas neste ano. O número da população chinesa, contudo, deve ser ultrapassado pela Índia, em 2023, grande compradora de óleo de soja do Brasil.
Já o arroz e o feijão, produzidos em boa parte pela agricultura familiar, são focados em abastecer o mercado brasileiro. Seus preços variam de acordo com o tamanho da produção, procura e negociações entre agricultores e a indústria.
Em 16 anos, a área de plantio de arroz caiu praticamente pela metade (-44%) no país, enquanto a do feijão encolheu 32%. No mesmo período, a de soja quase dobrou (+86%), ao passo que o milho avançou 66%.
Apesar disso, o agricultor consegue colher, atualmente, mais arroz e feijão por área do que há 16 anos. Esse aumento de produtividade, contudo, não se traduziu em um aumento das colheitas.
Nessa reportagem, você verá:
Por que a área de arroz e feijão diminuiu?
O principal motivo para a redução da área do arroz e do feijão foi o avanço da soja e, mais recentemente, do milho sobre esses territórios, afirmam agricultores entrevistados.
No caso do arroz, que tem o seu polo produtor no Rio Grande do Sul, houve ainda a substituição de plantios pela pecuária, conta Carlo Antônio Schifino, associado da Cooperativa Arrozeira Palmares, em Palmares do Sul (RS).
Para os produtores, tem sido mais rentável cultivar soja e milho pelo lucro gerado na exportação, principalmente nos últimos anos, com o dólar rodando em patamares elevados.
Enquanto o faturamento da soja e do milho aumentou 355% e 310%, respectivamente, a receita com o arroz e o feijão ficou praticamente estável em 16 anos (veja no infográfico do começo da reportagem).
Schifino conta que a soja começou a entrar em áreas do arroz em um sistema de rotação, ou seja, que alterna as duas culturas em uma mesma terra, em épocas diferentes. Ela favorece a nutrição do solo por agregar nitrogênio.
“Porém, de 5 anos para cá a soja pegou um ritmo mais forte. Ela deixou de ser só participativa e, hoje, algumas áreas já produzem mais soja do que arroz e feijão, por exemplo”, diz Schifino.
O trigo é outro produto que deve entrar no jogo. Mais recentemente, ele tem sido cotado para substituir as áreas de arroz, afirma Felippe Serigati, professor e coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Expectativa
A área plantada de feijão deve encolher mais 1,048 milhão de hectares na próxima década, segundo estimativa do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe). Já a do arroz deve diminuir 1,046 milhão de hectares.
Cada hectare corresponde a um pouco mais de um campo de futebol, cerca de 10.000 m².
A situação do feijão é mais crítica por ser um grão muito sensível ao clima e um cultivo com menos avanço tecnológico que o arroz, diz Laercio Dal Ross, gerente da agroindústria da Cooperativa Agrícola Mista Nova Palma (Camnpal).
Caro de produzir
Além de serem menos rentáveis que a soja e o milho, o arroz e o feijão têm um custo de produção mais elevado, diz o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho.
Para cultivar milho, um produtor do estado gasta, em média, R$ 7 mil por hectare. Com a soja, esse custo chega a R$ 8 mil.
Já no arroz, essa despesa pode chegar a R$ 14 mil, mostram dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), estatal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que gere políticas de abastecimento interno.
O órgão não tem dados do custo de produção do feijão no Rio Grande do Sul para 2022. Mas, em Taquarituba (SP), por exemplo, o gasto tem rodado a um nível semelhante ao do arroz: R$ 14 mil. Em Ponta Grossa, no Paraná (principal estado produtor), o valor é menor: R$ 8,5 mil.
Segundo Velho, a lavoura de arroz gasta, por exemplo, muito mais com irrigação e mão de obra do que a soja. "Enquanto na lavoura de arroz eu preciso de 1 funcionário para cada 50 hectares, a de soja precisa de 1 funcionário para cada 200 hectares", acrescenta.
Neste ano, o que mais pesou para os agricultores foi o fertilizante, cujo preço disparou no início do ano por causa da guerra na Ucrânia e é mais usado nessas culturas do que na soja, aponta a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja).
Também houve aumentos significativos nos agrotóxicos e no óleo diesel, destaca o agricultor João Batista Camargo Gomes, ex-diretor comercial do Instituto Riograndense do Arroz (Irga).
Quem produz commodities também consegue se planejar melhor, pois os preços são pré-estabelecidos no mercado, o que não existe para arroz e feijão, ressalta o presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), Marcelo Lüders.
Colheitas diminuíram
A redução da área de plantio foi compensada pelo aumento da produtividade, o que significa que, hoje, o produtor consegue colher mais arroz e feijão por hectare do que há 16 anos.
“As primeiras áreas de arroz abandonadas foram as de menor potencial. Hoje, há uma concentração da produção em um número menor de produtores e em terras mais produtivas”, conta a Diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Andressa Silva.
Ainda assim, as colheitas diminuíram de 2006 para cá. A safra do arroz, por exemplo, teve uma redução de 7,7% no período, para 10,6 milhões de toneladas. Já a de feijão caiu 9,5%, para 3 milhões de toneladas.
Por que, mesmo assim, não falta arroz e feijão?
A produção de arroz e feijão tem sido compatível com o consumo da população, segundo dados da Conab.
Um dos fatores que contribuiu para certa estabilidade entre procura e demanda foi a diminuição das compras dos dois grãos.
De 2008 a 2018, a média de consumo diário de feijão por pessoa, por exemplo passou de 183 gramas para 163,2 gramas. No caso do arroz, essa média recuou de 160,3 gramas a 131,4 gramas, mostra a Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O órgão não tem dados mais atuais sobre este tema.
Durante algum tempo, principalmente nos anos 2000, a redução do consumo de arroz e feijão esteve relacionada ao aumento do poder de compra das famílias, fator que incentivou uma maior variedade do cardápio, lembra Nilson de Paula, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especializado em Segurança Alimentar.
Por outro lado, a situação hoje é de falta de recursos da população para acessar alimentos, destaca.
Inclusive, cerca de metade das famílias que deixaram de comprar arroz, feijão, vegetais e frutas nos últimos três meses (até setembro) convivem com a insegurança alimentar moderada ou grave, mostra pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
Entenda os níveis de insegurança alimentar. — Foto: Daniel Ivanaskas / Arte G1
Quais as consequências da redução e como revertê-las?
A falta de incentivos ao plantio de arroz e feijão traz riscos para a segurança alimentar no futuro, diz Nilson de Paula, da UFPR.
Isso porque uma diminuição da produção pode gerar aumento de preços e enfraquecer ainda mais as políticas públicas de abastecimento interno e de distribuição de alimentos, afirma o professor.
Para De Paula, o governo deveria incentivar o plantio desses grãos e incorporar uma parte para reabastecer os estoques públicos de alimentos, que estão esvaziados há mais de cinco anos.
A ideia é que as reservas de alimentos sejam distribuídas para pessoas em situação de vulnerabilidade ou vendidas a mercados quando os preços sobem.
Outros especialistas ouvidos pelo g1 discordam disso e apontam que o custo de manutenção e preço mínimo são desafios para essa política pública. Confira aqui.
Gente do campo: Simone Silotti
Já para Serigati, da FGV, a garantia da segurança alimentar está mais relacionada à distribuição de renda. “O importante não é que a economia produza A ou B, mas sim renda. Países europeus, como Dinamarca, Holanda, não produzem tanto, mas têm renda para comprar alimentos”, afirma.
De Paula concorda que é preciso ter políticas de distribuição de renda, mas entende que abrir mão de estimular a produção de alimentos básicos pode gerar uma crise de abastecimento e dependência de importação – o que, para ele, não seria bom em momentos de fechamento de fronteiras, como visto durante a pandemia.
“Mesmo que você tenha a distribuição de renda, ficaríamos mais dependentes da variação do dólar", diz. Para ele, nesse caso, quando o dólar tivesse uma alta, o arroz também encareceria, o que foi visto em 2020 e 2021, por exemplo.
O Brasil já importa um pouco de arroz dos parceiros do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai), mas o feijão carioca, por exemplo, só é produzido aqui.
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Especialistas entrevistados sugerem diferentes soluções para manter agricultores nas lavouras de arroz e feijão:
1) Incentivo público para aumentar a área plantada: isso pode ser feito por meio dos estoques públicos, sugere o ex-diretor de política agrícola da Conab (2003 a 2013) Silvio Porto, que é professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).
Ele explica que um dos mecanismos para abastecer os estoques é a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).
“Dentro da PGPM, tem um instrumento chamado 'Contrato de Opção de Venda'. O governo pode lançar esses contratos para a próxima safra, sinalizando que quer formar, por exemplo, um estoque de 1,5 milhão de toneladas de arroz e que, para isso, vai pagar um valor atrativo e compensador que a soja para o agricultor", afirma Porto.
Essa sinalização, diz ele, tende a incentivar os produtores a aumentar o plantio sabendo que a venda de parte da safra já estaria garantida. Isso os ajudaria a se manter na cultura.
2) Estímulo à agricultura familiar: como este grupo é focado em produzir alimentos que vão direto para a mesa das pessoas, Nilton de Paula, da UFPR, diz que é preciso que o governo aumente investimentos em programas que interfiram diretamente neste setor, como o Alimenta Brasil (antigo Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA) e a merenda escolar, representada pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
3) Apoio à produção de fertilizantes: para o produtor de arroz João Batista Camargo Gomes, é necessário que o Brasil diminua a sua dependência externa da compra de fertilizantes. “Poderia haver incentivos públicos para as empresas nacionais fabricarem esses insumos”, afirma. “Nós sentimos muito a dependência de outros mercados neste ano, com o conflito na Ucrânia”.
4) Reforma tributária: com a incidência da alíquota de ICMS, o arroz produzido no Rio Grande do Sul acaba chegando mais caro em outros estados do país, que, por sua vez, podem importar o cereal do Mercosul com alíquota zero, explica a diretora executiva da Abiarroz, Andressa Silva. Para ela, é preciso, portanto, de uma reforma tributária que amenize a carga de tributos e acabe com a guerra fiscal entre os estados.
5) Abertura de mercados: já para o produtor de arroz Carlo Antônio Schifino, os agricultores precisam abrir mercados em outros países para aumentar as opções de rentabilização. “O Brasil teria que criar esse viés como alguns países, como Mexico e Peru, que já importam [arroz] da gente".
Fonte; https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2022/11/15/area-de-plantio-de-arroz-e-feijao-encolheu-mais-de-30percent-em-16-anos-com-o-avanco-da-soja-e-do-milho.ghtml